Todas as fotografias têm um percurso. Desde aquele "blink of an eye" em que nascem, até o seu destino final (?) há um caminho feito de perguntas, decisões e muitos acasos que as levam, felizmente, para lá das certezas e dos imprevistos.
Esta imagem de uma onda noturna na Nazaré, começou o seu caminho em 2018, às oito horas de uma noite gelada de Janeiro. Meses incontáveis a imaginar ângulos, alguns dias de antecipação, tentativas falhadas e dois segundos de tempo de exposição para alcançar o efeito imaginado. Até cumprir o seu destino, foram quase 5 anos.
Eu explico: dos milhares de imagens captadas nesses dias, fiz a habitual seleção e guardei algumas, certamente menos do que queria e mais do que o necessário, porque há coisas que não se explicam. Dois anos e meio passados, veio o convite, que aceitei com orgulho: liberdade total para escolher uma fotografia para integrar a exposição de celebração dos 20 anos de actividade do FinePrint.pt que é só o melhor laboratório de fotografia de Lisboa e arredores (arredores as in planeta Terra).
Depois de um angustiante e demorado processo de selecção, a onda de Janeiro de 2018 ganhou em Novembro de 2020, uma nova vida replicada por milhares de gotas de pigmentos azuis e negros, ordenadas milimetricamente num manto de papel fotográfico mate, porque o brilho ofusca, incomoda, ilude, digo eu. Também por isso, a moldura e passe-partout, passam bem sem vidro, sem fronteiras físicas nem distracções visuais, entre a fotografia e quem a observa agora no dia da inauguração. Até ao final da exposição, foram surgindo algumas pessoas interessadas em adquirir a peça, mas ninguém avançou. A minha preferida, foi então catalogada e devidamente embalada para esperar por melhores dias e novos caminhos.
Dezembro de 2022, organizo uma venda de Natal onde incluo esta imagem que, entretanto, já adjectivei de "incompreendida". Liga-me a Sofia. Que viu a venda de Natal nas minhas redes sociais, gosta muito de uma imagem (não esta) e quer passar para ver melhor. A Sofia? A Sofia Salazar Leite pinta quadros que tenho dificuldade em descrever e os adjectivos ficam inevitavelmente aquém do seu trabalho, mas escolho poderoso, enigmático e profundo.
Não me esqueço da Sofia no meu estúdio, numa vídeo chamada com o marido para conversar e negociar (not really) sobre a troca da imagem que já tinham escolhido inicialmente (uma onda luminosa, branca, cheia de energia) por esta feita de azul petróleo e carregada de melancolia. Por mais voltas que o mundo dê e movimentos woke nasçam em cada canto, uma negociação destas resume-se ao mesmo de sempre: elas ganham. Vamos a jogo, argumentamos, somos racionais, elas dão-nos razão, mas o debate está perdido ainda antes de começar. E foi assim que poucos dias depois recebo esta mensagem no telefone:
"Gostamos todos muito! Transforma-se com a luz e é quase camaleónica. Nunca parece igual. Estou encantada. Nem desliguei a luz da sala, para a revisitar periodicamente..."
A "incompreendida" fica tão bem entregue junto desta família e tão bem acompanhada pelos quadros da Sofia, que o seu destino cumpre-se muito para além do que eu podia imaginar. Venha agora o tempo conferir-lhe a patine que só ele sabe aplicar...