Não gosto de viajar para longe. Incomoda-me a novidade em excesso, o cheiro da cabine do avião, a noite mal dormida de véspera e os códigos locais por decifrar. Encontro até mais satisfação no conforto do regresso a casa, do que na antecipação de uma nova viagem. Control freak? Provavelmente. Mais tarde, mudo de ideias, recordando invariavelmente uma frase do meu amigo Gonçalo Cadilhe, que julgo ser mais ou menos assim: não gostei de ir, mas gostei de lá estar.
Na primeira viagem além-fronteiras, devia ter uns 8 anos e fui comprar caramelos a Badajoz. Não gostei, claro. Não percebia nada do que me diziam, baixei e levantei tantas vezes os vidros eléctricos do carro (levanta cristales) que o condutor perdeu a paciência e bloqueou a novíssima tecnologia, deixando-me sem ar fresco e sem nada de interessante para fazer. Muito mais do que os caramelos colados aos dentes, queria trazer uma metralhadora de plástico mas não me deixaram - “isso não passa na fronteira” - já o Porsche 928 em miniatura, negociado à troca, ficou para sempre associado a um amargo de boca, devidamente compensado nos inúmeros acidentes catastróficos em que esteve envolvido nos anos seguintes. Uma década depois aterrei na Ilha Reunião sem saber falar francês, mas pronto para fotografar um bando de gauleses indomáveis (perdão portugueses) a competir no EPSA, surfar Saint Leu e dar início à minha nova vida: um tipo que não gosta de viajar, a viajar. Pelo caminho casei-me com a Mariana que adora viajar de avião e detesta viagens de carro. Eu gosto de “road trips” pela costa portuguesa (Badajoz never more) ela enjoa depois de três curvas, mas é mesmo assim que se vive feliz para sempre. Obrigado Walt.
A maioria destas viagens acontecem em contexto de trabalho, como gosto do que faço a coisa torna-se bastante mais suportável. Nem quero imaginar se fosse de férias. As sessões de tortura com passaporte no bolso, aconteceram a maior parte das vezes por estar a fazer reportagens para a saudosa Surf Portugal, trabalhos para a Quiksilver, Lightning Bolt ou mais recentemente para a Torq Surfboards. Muitos destinos, milhares de imagens, histórias vividas, amizades, memórias guardadas ou imaginadas e ondas quase perfeitas, excepção à Namíbia e a Asu, onde deixei cair o “quase” em simultâneo com o queixo. Dito assim não parece tão mau e por vezes até foi muito bom, como esta surf trip que redescobri ao remexer nos meus arquivos de trabalhos para a Quiksilver, à procura de imagens no contexto da celebração dos 10 anos da Boardriders Ericeira. Nada e tudo a ver: mergulho no arquivo e quando dou por mim estou em São Miguel, Açores, Fevereiro de 2013, a fotografar os melhores juniores europeus patrocinados pela marca. Tudo aconteceu conforme não planeado e mais não se pode exigir de uma surf trip. Na reunião de briefing que nunca aconteceu (uma marca da marca) ouvi: faz como quiseres, desde que seja o teu melhor. Momento alto? A inocência do director de marketing, quando disse a um grupo em que a média de idades andava pelos 15 anos: “Ok não vou proibir, podem ir ao McDonalds, mas pagam vocês, o budget do marketing não dá para junk food.” Um menu McRoyal Deluxe, por favor.
(clicar nas imagens para ver em grande)